quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A Cabeça do Cabrito.


Era 1988. Numa manhã cinzenta de chuva miúda, Chico acordara. Levantou-se animado pelo cheiro de café que a esposa acabara de passar. Logo pela manhã havia uma reunião no sindicato. Tomou seu café sentado à mesa enquanto ouvia a chuva mansa lá fora. Também de fora, no entanto nada manso, invadiu o interior do casebre os gritos de Izamar, sua esposa. Rapidamente Chico levantou-se da mesa e correu em direção aos gritos que já haviam dado lugar ao choro, como se toda aquela chuva miúda brotasse dos olhos de Izamar. Chico viu a mulher prostrada ao chão e só entendeu seu desespero quando lentamente direcionou seu olhar do chão para a porta de entrada de sua casa. Seus olhos estalaram e um súbito receio lhe tomou a alma. Chico estava diante de uma cabeça de cabrito pendurada diante de sua porta.
Em sua luta pela defesa dos seringueiros e em favor da implantação de reservas extrativistas do Acre, Francisco Mendes já havia presenciado inúmeras ocorrências como aquela. Quem se opusesse à onda de especulação fundiária, que lançava mão de queimadas e motosserras para “limpar” a mata e retirar os seringueiros de seu meio de vida, pagava um alto preço: O próprio sangue! As ameaças vinham de forma não menos assustadora: Uma cabeça de cabrito pendurada na porta do jurado.
Naquela manhã Chico Mendes sabia que poderiam matá-lo. Ao tentarem persuadi-lo para que se retirasse daquela zona de conflito, Chico externou: “ Se a minha morte fortalecesse nossa luta até que valeria a pena. Mas a experiência nos ensina o contrário. Então eu quero viver! Mas ele não se retirou da cidade. Continuou liderando os trabalhadores rurais.
Aconteceu o que todos já sentimos. Em 22 de dezembro daquele ano, Francisco Alves Mendes Filho foi morto por um pistoleiro em sua própria casa.
Correram os anos e a ganância insaciável do homem tolo ainda faz muitas vítimas. É fato: Querer preservar o meio ambiente, defender o desenvolvimento sustentável, organizar trabalhadores rurais na busca de seus direitos é perigoso.
Afinal, que perigo ofereceria uma irmã de 73 anos de idade, além destas acima citadas? Seria ela uma ameaça à ordem estabelecida? Irmã Dorothy Mae Stang, dedicava sua vida para amenizar o sofrimento dos pobres desta terra. Desejosa por viver num mundo onde houvesse paz, não foi omissa e canalizou suas energias rumo a este intento. Afinal sabia que sua maior recompensa seria viver num mundo um pouquinho melhor.
Entre Chico Mendes e Irmã Dorothy, jazem muitas outras vítimas desta violência, motivada pela ganância predadora que assola nossas vidas. Homens e mulheres que foram mortos por sonhar com uma terra acolhedora e benfazeja.
Tolos pistoleiros! Fazendeiros e latifundiários tolos! O brilho reluzente do vil metal lhes cega os olhos. Não vêem que estão matando justamente aqueles que tentam defendê-los? Que estão matando pessoas que dedicam suas vidas à promoção do bem-estar, não somente á um povo específico, mas a toda a humanidade. Afinal, devolver dignidade às pessoas antes excluídas do direito à vida é curar um câncer na humanidade. Lutar para que todos respeitem o meio-ambiente e implantar o desenvolvimento sustentável é reconhecer que as gerações futuras têm o direito de herdar uma Terra habitável para todos os seres, companheiros nesta aventura terranal.
Acordemos todos! Os apelos externados pela Irmã, pelo Chico e por tantos outros, deve causar um certo incômodo para além da comoção por ocasião de funerais. Saibamos todos os que queremos um mundo justo: Não se alcança a paz com uma postura apática ou neutra diante da violência. A partir da indignação é preciso colocarmo-nos à disposição da construção de uma cultura de paz. Paz é diferente de passividade.
A cabeça de cabrito, como sinal de morte vindoura, há de ser pendurada na porta onde se escondem a ganância e a intolerância dos homens. Somente assim, construindo um consenso mínimo acerca de valores fundamentais ao cuidado com a vida, é que poderemos dar início a uma sociedade de paz entre todos. Por certo este era o sonho dos Chico, da Ir. Dorothy, e de muitos de nós. Então sigamos em frente alimentados pelo exemplo lutador dos nossos mártires.

Ronei Costa Martins
Veereador - PT

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