sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

A lógica dos ‘Pequenos Favores’e a Corrupção




Certa vez, às vésperas de minha posse na Câmara Municipal, estando eu na casa em que mora minha mãe, dona Maria, recebemos a visita de uma amiga dela, que, durante a prosa, sem qualquer pudor disparou: “Agora o Ronei ajeita uma casa pra você, Maria!”. A conversa terminou imediatamente tendo como desfecho a minha deselegante verborragia despejada sobre aquela senhora. Nunca mais a vi.

Passaram se dois anos e várias abordagens semelhantes me fizeram constatar que aquela senhora e outras muitas pessoas aceitariam naturalmente se eu, porventura, utilizasse a autoridade política para furar fila e conseguir uma casa para Dona Maria, minha mãe, mesmo que, para tanto, o direito à moradia fosse negado às outras pessoas mais carentes do que ela.

Deduzi ainda que a tolerância àquilo que é ilegal e imoral pudesse ser alimentada pelo desejo da extensão do possível ‘favor’ àquela senhora e demais pessoas do entorno, ou seja: Sei que é errado, mas se eu for beneficiado, concordarei, fazendo vistas grossas.

Notei que vivemos em meio à um equívoco grave: Tendemos a considerar corrupção as ações que resultem em grande impacto financeiro, e que, preferencialmente, sejam praticadas pelo outro. Tendemos então a aceitar as pequenas atitudes lesivas ao conjunto da comunidade, desde que o indivíduo que observa e julga seja diretamente beneficiado por ela.

Este senso perverso de naturalidade, tão arraigado em nossa sociedade, ganha contornos bárbaros quando verificado no atacado.

Milhares de pedidos de ‘pequenos favores’ chegam ao gabinete do vereador. Desde água potável para eventos religiosos até fretes de ônibus para viagens, passando por pedidos de vantagens nas filas do sistema de saúde, educação e habitação. Estes pedidos desvirtuam a vocação do parlamento e alimentam a máquina da corrupção na medida em que o agente político é levado a contrariar os padrões normativos, visando extrair dividendos e recompensas em seu favor.

Segundo Norberto Bobbio em seu livro “O Dicionário Político”,a corrupção é um fenômeno pelo qual um funcionário público ou o político é levado a agir de modo diverso dos padrões normativos do sistema, favorecendo interesses particulares em troca de recompensas. Este conceito, esculpido pelo sociólogo permite-nos apurar a nossa percepção acerca daquilo que seria a corrupção.

Sejamos, portanto, criteriosos em nossa análise, sem nunca perder de vista que o solicitante dos ‘pequenos favores’, na medida em que o faz, contribui para manter a máquina da corrupção a todo vapor. Combater esta lógica perversa é o nosso maior desafio. Quem vem junto?


Ronei Martins

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